Transformers
23 Junho 2018 — 14 Agosto 2018
Transformers
Leda Catunda Arthur Chaves Pedro França e Robert Rauschenberg
23 Junho 2018 — 14 Agosto 2018

A apropriação de imagens é uma prática que se intensificou drasticamente nas ultimas décadas. Desde então, incorporar imagens das mais diversas origens é uma das características da produção contemporânea, frequentemente misturando diferentes materiais e técnicas. A exposição Transformers, no auroras, destaca o uso diverso da imagem que é articulada por Leda Catunda, Arthur Chaves, Pedro França e Robert Rauschenberg.

Num momento onde a circulação de imagens ultrapassa quaisquer limites estabelecidos, a noção de autoria e originalidade são esgarçadas. A ideia de propriedade intelectual é ultrapassada por um uso livre das imagens. A partir da década de 1960, a incorporação de imagens da alta e da baixa cultura passaram a povoar o panorama artístico, esgarçando os limites de “gosto”.

A tinta, que permeia com mais ou menos intensidade todas as obras, serve, frequentemente, para alinhavar os diversos campos imagéticos e materialidades que foram aproximadas quase que bruscamente. Isto é, funciona também como um elemento que atravessa os mais diferentes tipos de tecidos e materiais como uma espécie de amálgama da composição.

Cada artista dessa exposição articula espaços distintos, em um campo mais ou menos delimitado. Dessa maneira, as ideias raramente se ordenam de modo linear, e essa espécie de desordem é parte de sua lógica construtiva. Através de ideias de sampling e détournement, os artistas convocam imagens das mais diferentes naturezas, que vão de Albrecht Dürer (1471 – 1528) a imagens de gatinhos, colcha de espaçonaves, e máscaras de super-heróis. É sintomático que essas imagens ocupem um mesmo ambiente, reforçando um achatamento de tudo que se constrói na cultura visual.

Vistas da exposição
Fotografia: Ding Musa
Obras
Robert Rauschenberg
LA Uncovered #6, 1998
serigrafia em cores
81 x 60 cm
Leda Catunda
Copa, 2016
acrílica sobre tecido e tela
61 x 67 cm
Leda Catunda
Os foguetes, 1989
acrílica sobre tecido
94 x 45 cm
Arthur Chaves
Sem título, 2017/2018
técnica mista
aprox. 155,5 x 213 cm
Arthur Chaves
Sem título, 2017/2018
técnica mista e tecido
230 x 82 cm
Pedro França
Fuck the past, 2018
óleo e colagem sobre tela
197 x 194 cm
Pedro França
Notreadynotmade, 2016
figurino
90 x 45 cm
Pedro França
Notreadynotmade, 2016
figurino
90 x 45 cm
Leda Catunda
O nove e o novinho II, 2013
acrílica sobre tela e tecido
ø 73 cm
Leda Catunda
Gatinhos, 2017
acrílica sobre voile, tecido, madeira e couro
162 x 124 cm
Arthur Chaves
Sem título, 2017/2018
técnica mista e tecido
122 x 89 cm
Pedro França
Everstory, 2018
óleo sobre tela
210 x 148 cm
Texto Curatorial

Transformers

Ile? Sartuzi

No vi?deo Artist Talk de Pedro Franc?a, o artista narra a tomada dos meios de edic?a?o das imagens por sua ma?e, Raquel. Na?o importa que ela na?o seja a pessoa que produz em primeira insta?ncia essas imagens, mas “capitaliza simbolicamente sobre as imagens”. Em sua narrativa autoconsciente o artista diz que “O vi?deo […] deglute e nivela tudo […] coisas filmadas por mim, coisas roubadas, coisas encontradas, coisas traficadas”. E? sintoma?tico, portanto, que passem a conviver no mesmo espac?o da exposic?a?o, toscas imagens familiares, reproduc?o?es de Diego Vela?squez e a camisa do Milan. Nesse achatamento de tudo que se constro?i na cultura visual e no momento onde a circulac?a?o de imagens ultrapassa quaisquer limites estabelecidos, a noc?a?o de autoria e originalidade sa?o arregac?adas. A ideia de propriedade intelectual – tipicamente burguesa – e? ultrapassada por um uso livre das imagens. A partir da de?cada de 1960, a incorporac?a?o de imagens da alta e da baixa cultura passaram a povoar o panorama arti?stico, esgarc?ando os limites de “gosto”.

A apropriac?a?o de imagens e? uma pra?tica que se intensificou drasticamente nas ultimas de?cadas. Desde enta?o, incorporar imagens das mais diversas origens e? uma das caracteri?sticas da produc?a?o contempora?nea, frequentemente misturando diferentes materiais e te?cnicas. A exposic?a?o Transformers, no auroras, destaca o uso diverso da imagem que e? articulada por Leda Catunda, Arthur Chaves, Pedro Franc?a e Robert Rauschenberg.

O intuito da aproximac?a?o dessas obras na?o e? tentar resgatar uma experie?ncia pop, nem somente observar suas inflexo?es no pai?s, mas investigar os novos paradigmas em que a imagem esta? posta hoje.

O ato da apropriac?a?o significa tambe?m trazer o objeto ao momento presente. Esse movimento deve por em questa?o, assim como todos objetos histo?ricos, a validade e as novas significac?o?es dessas imagens no momento em que esta? sendo convocada, ao mesmo tempo que, num movimento diale?tico deve resignificar o passado. Dessa maneira, a escrita projetada na obra de Pedro Franc?a e?, ao mesmo tempo, reveladora e infantil. O texto “fuck the past” e? uma imagem tanto quanto os outros elementos, equivale a? colagem do cachorro ou a reproduc?a?o da pintura de Albrecht Du?rer (1471 – 1528). Seu cara?ter mimado inconsequente, pseudo- anarquista, e? confrontado pela evocac?a?o do corpo nu que remete a um passado de ouro, ambos carregando uma certa dose de idealismo.

Nas composic?o?es de Pedro Franc?a, procedimentos de “ctrl+c + ctrl+v”, de sampling e de?tournement, aproximam uma se?rie de imagens que tendem a serem (des)organizadas em diferentes layers. Os planos de cor que preenchem o fundo, tentam criar, de alguma maneira, uma relac?a?o croma?tica comum para juntar uma se?rie de tentativas que podem parecer inconsequentes. E se o uso desses tipos de palavras aparece com freque?ncia, deve ser menos pela personalidade do artista e mais por uma maneira de lidar com imagens na contemporaneidade. O acu?mulo de imagens dispersas que marcava a produc?a?o de Pedro Franc?a e?, nesse novo momento, condensado num u?nico espac?o delimitado e ideal que e? o plano picto?rico da tela.

Os foguetes (1990) de Leda Catunda fazem parte de uma se?rie desenvolvida a partir da de?cada de 1980 chamada vedac?o?es. O procedimento de cobrir partes da estampa, ressaltando e descontextualizando imagens trazidas de um arquivo coletivo, acaba por criar uma liga para os elementos di?spares que sa?o usados na obra da artista. Esse procedimento de edic?a?o busca dessaturar, de certa maneira, um universo abarrotado de imagens das mais diversas. Em Nove e Novinho II (2013), a composic?a?o de emblemas, patrocinadores e padro?es geome?trico- croma?ticos e? novamente alinhavada pelo uso comum da tinta. Nesses casos, o suporte e? o pro?prio conteu?do da obra, tornando sua “pintura” na?o mais a representac?a?o da coisa, mas a coisa ela mesma.

Portanto, a natureza usualmente plana dos suportes das imagens sa?o por vezes questionadas, em outros momentos reforc?adas. A colagem e a maneira como Chaves e Catunda manipulam os materiais, tendem a dar corporeidade a? essa suposta bidimensionalidade. A virtualidade das imagens na obra de Catunda e Chaves e? confrontada pela materialidade e o forte apelo ta?ctil que suas pinturas-objetos carregam.

Aproximando materiais de naturezas distintas que pareceriam incompati?veis, da mesma maneira em que se aproximam imagens, as composic?o?es de Arthur Chaves tencionam a bidimensionalidade tradicional dos objetos de parede, criando elementos vazados, camadas e volumes. O desenho, assume uma posic?a?o fundamental para estruturar sua pesquisa com a materialidade de tecidos e pla?sticos, sobras e dejetos ora mais moles ora mais firmes. Assim, incorporar imagens e? apenas mais um processo para criar campos complexos de profundidade informados por um desenho, contraditoriamente preciso e ana?rquico.

A ma?quina de costura foi meta?fora para o confronto, quase selvagem e automa?tico, de imagens na experie?ncia surrealista. E? curioso que Arthur Chaves, se utiliza dessa ferramenta que fixa, mesmo que precariamente, um conjunto heteroge?neo de fragmentos, criando estruturas amorfas que va?o se desenhando ao longo do processo intuitivo de associac?a?o.

Por fim, LA Uncovered #6 (1998) de Robert Rauschenberg, compreende em seu espac?o, imagens tradicionais do reperto?rio estadunidense: sobre o enquadramento que a parede de tijolos vermelhos cria na base da composic?a?o, uma imagem anuncia a liquidac?a?o de uma “famosa loja de departamento de Nova York” que foi a fale?ncia. A circulac?a?o de imagens atrave?s de uma cultura de massa, que seria parte essencial da produc?a?o de Rauschenberg, parece estar contemplada nessa se?rie de obras que buscam desconstruir um imagina?rio do sul da Califo?rnia.

A natureza diversa de cada imagem e? confrontada com outras num espac?o em atrito. Seja num scroll que avizinha conteu?dos que em nada se assemelham, na lo?gica de sobreposic?a?o de camadas de um vi?deo, da relac?a?o entre texto e imagem – com a primazia cada vez mais intensa dessa ultima – e a tinta que tenta apaziguar os rui?dos em uma espe?cie de unidade de retalhos. Sa?o desses confrontos improva?veis que se constroem novas conexo?es, as ideias (e imagens) raramente se ordenam de modo linear, e essa desordem e? parte de sua beleza.

 

Sobre os artistas

Leda Catunda é artista plástica. Doutora pela ECA/USP realizou inúmeras exposições individuais e coletivas importantes desde os anos 1980, das quais se destacam individuais em instituições como o Instituto Tomie Ohtake (2016), Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (2013), Pinacoteca do Estado de São Paulo (2009), Museu de Arte de Ribeirão Preto (2005), Centro Cultural São Paulo (2003, 1992), Centro Universitário Maria Antonia (2003), entre outras. Este ano participa da 33ª Bienal de São Paulo.

Arthur Chaves é artista formado em Design de Moda pela Universidade Veiga de Almeida (2007). Suas últimas obras conciliam a exploração da pintura, desenho e costura em peças de tecido. Entre 2007 e 2016 participou de exposições na Casa França Brasil, (Rio de Janeiro) na The School for Curatorial Studies (Veneza, Itália), na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro) e no Ateliê Subterrânea (Porto Alegre). Atualmente, é professor do curso Procedência e Propriedadeno Ateliê Novo Mundo, no Rio de Janeiro, cidade onde nasceu e trabalha.

Pedro França é artista e membro do Grupo de Teatro Ueinzz desde 2011. Como artista, trabalha desde 2012 com vídeos e instalações, muitos dos quais ligados à prática coletiva do teatro. De suas exposições coletivas se destacam Frestas(Trienal SESC, Sorocaba 2017) e Lugares do Delírio(MAR – Rio de Janeiro, 2017; SESC Pompeia, 2018). Realizou diversas exposições individuais como Agora somos mais de mil(Parque Lage, 2016); Objeto da Natureza(Paço das Artes, 2014) e Homeroadmovie(Centro Cultural Sao Paulo, 2012). Foi também professor de História da Arte e Teoria da Arte na Escola de Artes Visuais (Rio de Janeiro) entre 2006 e 2011; é professor de Teoria da Arte e coordenador de grupos de discussão no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e no Museu de Arte Moderna de São Paulo (ambos desde 2011).

Robert Rauschenberg (1925 – 2008) foi um artista estadunidense cujos primeiros trabalhos anteciparam o movimento do que viria a se constituir a Pop Art. Rauschenberg, um dos artistas mais notáveis do século XX, é bem conhecido por seus “Combines” dos anos 1950, nos quais materiais e objetos não tradicionais eram empregados em combinações inéditas. O artista trabalhou com os mais diversos meios, do tridimensional à performance, pintura, fotografia e gravura. Foi honrado com muitos prêmios mundiais por sua produção frutífera e teve retrospectivas nas mais importantes instituições de arte como o MoMA – Museum of Modern Art (Nova York, 2017); Tate Modern (Londres, 2016); Solomon R. Guggenheim Museum (NovaYork, Bilbao, 1997-1998), entre outros.