Flávia Vieira
01 de Dezembro 2018 — 19 de Janeiro 2019
Flávia Vieira
Pandã
01 de Dezembro 2018 — 19 de Janeiro 2019

O trabalho com a lã faz parte do cotidiano de Flávia Vieira (1983, Portugal). Para construir as tecelagens que vem produzindo há alguns anos a artista necessita de tempo, disciplina e rigor técnico. Criadas ponto-a-ponto, de maneira artesanal e manual, e muitas vezes utilizando-se de pigmentos naturais, essas obras frequentemente trazem tecidas figuras baseadas em iconografias das pinturas corporais de povos indígenas brasileiros, como os Karajá e os Asurini.

Em “Pandã”, instalação que ocupa a Sala de Projetos do auroras, Flávia discute o lugar da decoração no campo das artes visuais ao igualar hierarquias entre os materiais e ao misturar referências ditas “eruditas” e populares.

No século XX, as discussões acerca das dissonâncias e dos pontos de contato entre arte e artefato foram tema de interesse tanto da antropologia quanto das artes visuais. Parte considerável das experimentações dos movimentos de vanguarda do século XX caminharam no sentido de desfazer essas barreiras e aproximar o fazer artístico da vida cotidiana. Nessa longa trajetória, o corpo sempre esteve presente e, muito antes do advento da performance como campo, foi a moda que efetivamente conseguiu popularizar a esfera das artes visuais e trazê-la para um contexto midiático. Uma das pioneiras dessas ações foi Sonia Delaunay, cujas experimentações radicais na década de 1920 resultaram na utilização indiscriminada de padrões geométricos em vestidos, cenários e em suas pinturas, formando uma espécie de “estamparia total”.

Neste projeto, Vieira se inspira em parte do trabalho da artista ao replicar a mesma imagem nas duas tecelagens e nas cerâmicas postas à frente delas, criando uma relação de pandã. Não por acaso, cada coisa ganha seu lugar: se o processo de desenvolvimento dessas tecelagens resulta em objetos únicos e passíveis de fetichização, as cerâmicas que Flávia cria nascem de um molde facilmente replicável e em um processo muito mais simples. Dispostas no espaço, as peças tornam-se parte de um só organismo, onde importa mais o jogo entre visão e ilusão, e o deslocamento de sentido causado pela transposição desses desenhos para um viés decorativo, do que o valor artístico que cada peça possa ter individualmente.

Processo, materiais e resultado se imbricam neste trabalho e, por mais que não estejam totalmente evidentes para o espectador, estão tão enredados quanto os pontos das tramas que formam esses tecidos.

Thierry Freitas

Obras
Fotografia: Ding Musa
Pandã
2018
Sobre a artista

Flávia Vieira (Portugal, 1983) vive e trabalha em São Paulo. Licenciada em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e mestre em Comunicação e Artes pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, desenvolve atualmente sua pesquisa de doutorado em Poéticas Visuais no Instituto de Artes da Unicamp. Em 2018 realizou sua primeira individual Hopes and Fears, na KUBIKGallery da cidade do Porto. Participou ainda de exposições no MON – Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba; na Oficina Cultural Oswald de Andrade e no Consulado Português, em São Paulo; e no Centro Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro. Em 2014, fez parte do programa de residências artísticas da FAAP, em São Paulo.